segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Amem Os Seus Inimigos


CAPÍTULO XII

Amem Os Seus Inimigos

• Pagar O Mal Com O Bem
•  Os Inimigos Desencarnados
• Se Alguém Bater Na Sua Face Direita, Apresenta-lhe, Também, A Outra


Instruções Dos Espíritos:
• A Vingança • O Ódio • O Duelo

Pagar O Mal Com O Bem

1. Jesus disse para aqueles que O escutavam: "Aprenderam o que foi dito: Amem o próximo e odeiem os inimigos. Porém, Eu digo a vocês: Amem os inimigos, façam o bem para aqueles que os odeiam, orem por aqueles que os perseguem e caluniam, para que sejam filhos do Meu Pai, que está nos Céus, que faz nascer o sol sobre os bons e os maus e faz chover sobre os justos e os injustos. Pois, se amarem apenas os que amam vocês, que recompensa terão? Os publicanos também não fazem o mesmo? E, se saudarem apenas os irmãos mais próximos, o que estarão fazendo mais do que os outros? Os pagãos também não fazem o mesmo? Porém, Eu digo a vocês que, se não aplicarem uma justiça maior e mais perfeita que a dos escribas e fariseus, jamais entrarão no Reino dos Céus" (Mateus, 5:5 a 20, 43 a 47).


2. "Se saudarem apenas os parentes e amigos, que recompensa terão? As pessoas de má vida também não fazem o mesmo? E se fizerem o bem apenas para aqueles que fazem o bem a vocês que recompensa terão? E se emprestarem somente para aqueles que podem lhes retribuir, que recompensa terão? As pessoas de má vida também não se ajudam umas às outras para receberem a mesma vantagem?"

"Quanto a vocês, amem os inimigos, façam o bem a todos, emprestem sem nada esperar em troca, e suas recompensas serão bem maiores. Serão os filhos do Altíssimo. Pois Ele é bom para os ingratos e também para os maus. Sejam, pois, misericordiosos, assim como seu Pai o é" (Lucas, 6:32 a 36).

3. Se a caridade tem como princípio amar o próximo, amar os inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio. A virtude de amar os inimigos é uma das maiores vitórias alcançadas sobre o egoísmo e o orgulho.

A palavra amar, utilizada por Jesus neste ensinamento, pode causar algum equívoco quanto a sua interpretação, pois Ele não quis dizer que devemos ter pelo inimigo a mesma ternura que temos por um amigo. A ternura requer confiança e não podemos depositar confiança em uma pessoa sabendo que ela nos quer mal. Não podemos ter por ela a mesma demonstração de amizade, sabendo que ela pode abusar dessa amizade. Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver a mesma simpatia que existe entre aqueles que possuem as mesmas ideias. Quando encontramos um inimigo, não podemos sentir por ele a mesma alegria que sentimos quando encontramos um amigo.

Esse sentimento de amor e aversão resulta de uma das Leis da Física: A Lei da Assimilação e da Repulsão dos Fluidos. A corrente fluídica emitida pelo mau pensamento traz consigo uma influência muito ruim; já o bom pensamento nos envolve agradavelmente. Por isso a diferença das sensações que experimentamos quando nos aproximamos de um amigo ou de um inimigo. Portanto, amar os inimigos não pode significar que não se deva fazer nenhuma distinção entre amigos e inimigos. Este ensinamento nos parece difícil e até mesmo impossível de ser praticado, porque entendemos, erradamente, que ele manda dar aos amigos e aos inimigos o mesmo lugar no coração. Devido à pobreza das línguas humanas, somos obrigados a usar a palavra AMAR para expressar diversas formas de sentimentos. Assim, precisamos completar seu significado, explicando que amar os inimigos é ter para com eles um sentimento desprovido de animosidade.

Amar os inimigos não é ter para com eles uma afeição forçada, que não seja natural, já que o encontro com um inimigo faz bater nosso coração de uma maneira diferente da que quando encontramos um amigo. Amar os inimigos, segundo esse ensinamento de Jesus, é não ter contra eles nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança. É perdoar o mal que eles nos fazem, sem impor condições e sem ter segundas intenções. É não colocar nenhum obstáculo à reconciliação. É desejar-lhes o bem em vez do mal. É alegrar-se pelo bem que lhes aconteça, em vez de ficarmos tristes. É socorrê-los em caso de necessidade. É não usar palavras nem cometer atos que possam prejudicá-los. É, enfim, pagar-lhes todo o mal com o bem, sem intenção de humilhá-los. Quem fizer isso, estará seguindo o mandamento: "Amem os seus inimigos".

4. O ensinamento amar os inimigos é um absurdo para o incrédulo. Aquele para quem a vida presente é tudo, só vê em seu inimigo um ser nocivo e perturbador de sua tranquilidade. Pensa que somente a morte poderá livrá-lo de sua presença, surgindo, assim, o desejo de vingança. O incrédulo não possui nenhum interesse em perdoar, a menos que seja para satisfazer seu orgulho aos olhos do mundo. O próprio ato de perdoar, em certos casos, parece mesmo uma fraqueza, indigna de sua personalidade. Se não consegue se vingar, nem por isso deixará de guardar rancor e um desejo secreto de lhe fazer o mal.

Para aquele que crê, e especialmente para o Espírita, a maneira de ver as coisas é completamente diferente. Ao observar os fatos olhando para o passado e também para o futuro, ele percebe que a vida presente não passa de um momento. O Espírita também sabe que, pela própria destinação da Terra, é natural encontrar, nela, homens maus e perversos. Sabe que a maldade da qual é vítima faz parte das provas que precisa suportar. O esclarecimento maior que possui faz com que ele veja os problemas da vida de maneiro menos amarga, venham eles dos homens ou das coisas. Se o Espírito não reclama das provas, não deve reclamar também dos que servem de instrumento para que essas provas se cumpram. Em vez de se lamentar, deve agradecer a Deus por querer experimentá-lo. Deve agradecer também àquele que lhe oferece a oportunidade de testar sua paciência e sua resignação. Esse pensamento leva o Espírita, naturalmente, ao perdão. Ele sente que, quanto mais generoso for, mais se engrandece aos seus próprios olhos, ficando, desse modo, fora do alcance do ódio de seu inimigo.

O homem que ocupa no mundo uma posição de destaque não se ofende com os insultos de seus inferiores. O mesmo ocorre com aquele que se eleva, moralmente, acima da Humanidade material. Ele compreende que o ódio e o rancor o fariam sentir-se desprezível e o rebaixariam. Para ser superior ao seu adversário, é preciso possuir uma alma maior, mais nobre e mais generosa.


Os Inimigos Desencarnados

5. O Espírita tem, ainda, outros motivos para perdoar seus inimigos. Ele sabe que a maldade não é o estado permanente dos homens, mas que ela é fruto de uma imperfeição temporária. Assim como a criança se corrige de seus defeitos, o homem mau, um dia, reconhecerá seus erros e se tornará bom.

O Espírita também sabe que a morte apenas o deixa livre da presença material de seu inimigo, e que esse pode persegui-lo com seu ódio, mesmo após ter deixado a Terra. Sabe que qualquer vingança que fizer não atingirá seu objetivo, pelo contrário, vai trazer um desgaste ainda maior, que muitas vezes passa de uma existência a outra. Cabia ao Espiritismo demonstrar, pela experiência e pelas Leis, que regem as relações do Mundo Visível com o Mundo Invisível, que a expressão: "Extingue o ódio com sangue" é completamente falsa, pois o sangue realimenta o ódio, mesmo após a pessoa ter desencarnado. Desse modo, o Espiritismo apresenta uma utilidade prática para o ato de perdoar e para o sublime ensinamento do Cristo: "Amem os seus inimigos". Não existe coração tão perverso que não se deixe tocar pelas boas ações, mesmo a contragosto. Pelo bom proceder, elimina-se todo e qualquer motivo para vinganças. Assim, de um inimigo pode-se fazer um amigo, antes e depois de sua morte. Pelo mau proceder, o homem irrita seu inimigo, fazendo com que ele próprio sirva de instrumento para que se cumpra a Justiça de Deus, que sempre pune aquele que não perdoa.

6. Podemos, assim, ter inimigos entre os encarnados e os desencarnados. Os inimigos desencarnados manifestam sua maldade através das obsessões e subjugações, às quais tantas pessoas estão expostas. Essas obsessões são provações que o homem enfrenta durante a vida e que contribuem para o seu adiantamento na Terra. Por isso, elas devem ser aceitas com resignação e como consequência da natureza inferior dos Espíritos que vivem no nosso globo terrestre. Se não existissem homens maus na Terra, não haveria Espíritos maus ao seu redor. Se devemos perdoar e ter misericórdia para com os inimigos encarnados, devemos ter, também, para com os inimigos desencarnados.

Antigamente, eram sacrificados animais e até pessoas para apaziguar a fúria dos deuses infernais. Mais tarde, esses deuses foram substituídos pelos demônios. O Espiritismo ensina que esses demônios não passam de Espíritos maus, que deixam a Terra e ainda continuam presos aos instintos materiais. Esses Espíritos somente poderão ser pacificados por meio da caridade e do amor que a eles for destinado. A caridade, além de impedir que eles pratiquem o mal, também os conduz ao caminho do bem, contribuindo, assim, para seu esclarecimento e elevação moral. É desse modo que o ensinamento de Jesus: "Amem os seus inimigos" não fica limitado ao planeta Terra e à vida presente, mas inclui, também, a grande Lei da Solidariedade e Fraternidade Universais.


Se Alguém Bater Na Sua Face Direita, 

Apresenta-lhe Também A Outra


7. Jesus disse: "Aprenderam o que foi dito: 'Olho por olho, dente por dente'. Porém, Eu digo para que não resistam ao mal que lhe queiram fazer. Se alguém bater na sua face direito, apresenta-lhe, também, a outra. E se alguém tentar tirar sua túnica, entregue-lhe, também, o seu manto. E se alguém lhe obrigar a andar mil passos, anda com ele mais dois mil. Procura dar para aquele que lhe pede, e não rejeita nunca aquele que lhe pedir emprestado" (Mateus, 5:38 a 42).

8. Os preconceitos do mundo sobre o que se convencionou chamar de "questão de honra" provocam esses melindres, nascidos do orgulho e da exaltação da personalidade que leva o homem a pagar injúria por injúria, ofensa por ofensa. Esse procedimento parece estar muito certo para aquele cujo senso moral não consegue se elevar acima das paixões terrenas. Essa é a razão por que a Lei de Moisés dizia: "Olho por olho, dente por dente", Lei que estava em harmonia com a época que Moisés vivia. Quando o Cristo veio, disse: "Paguem o mal com o bem". E disse mais: "Não resistam ao mal que lhe queiram fazer; se alguém lhe bater numa face, apresenta-lhe, também, a outra". Ao orgulhoso, esse ensinamento parece uma covardia, pois ele não compreende que é preciso ter mmais coragem para suportar um insulto do que para se vingar. Isso porque sua noção do que significa a vida não ultrapassa o momento presente.

Devemos levar ao pé da letra este ensinamento de Jesus? Não, da mesma maneira que não devemos levar aquele que manda arrancar o olho, se este for motivo de escândalo. Se o ensinamento fosse seguido literalmente, a consequência seria a condenação de toda a repressão, deixando o campo livre aos maus, que nada teriam a temer. Se não colocarmos um freio em suas agressões, logo todos os homens de bem seriam suas vítimas. O próprio instinto de conservação, que é uma Lei da Natureza, diz que não se deve desistir da vida sem luta. Por esse ensinamento: "oferecer a outra face", Jesus não quis proibir a defesa, e sim condenar a vingança. Quando disse para oferecer a outra face, quando uma for batida, quis dizer, em outras palavras, que não é preciso pagar o mal com o mal, pois o homem deve aceitar com humildade tudo o que faz rebaixar seu orgulho. Que é mais glorioso ser ferido do que ferir, suportar pacientemente uma injustiça do que arruinar os outros. Ao falar assim, Jesus condena o duelo, que nada mais é do que uma manifestação do orgulho. Somente a fé na vida futura e na Justiça de Deus, que nunca deixa o mal impune, pode nos dar força para suportarmos pacientemente os golpes desferidos contra os nossos interesses e contra o nosso amor-próprio. Eis por que dizemos sempre: "Olhem para frente, quanto mais se elevarem pelo pensamento acima da vida material, menos serão atingidos pelas coisas da Terra".


Instruções dos Espíritos

A Vingança

Jules Olivier - Paris, 1862


9. A vingança e o duelo são vestígios da barbárie, que tendem a desaparecer entre os homens. São costumes selvagens que fazem a Humanidade sofrer. A vingança é um sinal da inferioridade dos homens que a ela recorrem e dos Espíritos que se juntam a eles para inspirá-la. Portanto, meus amigos, esse sentimento não deve, jamais, fazer parte do coração daquele que se diga Espírita. Vingar-se é totalmente contrário ao ensinamento do Cristo que diz: "Perdoem os seus inimigos", e aquele que se recusa a perdoar, não é espírita e também não é cristão.

A vingança é um sentimento tão nocivo quanto a falsidade e a baixeza, que são suas companheiras constantes, porque todo aquele que se vinga, quase nunca o faz a céu aberto. Quando é mais forte, ataca ferozmente aquele a quem considera seu inimigo, bastando, para isso, a simples presença do desafeto para que cresça nele a cólera, a paixão e ódio. Na maioria das vezes, ele toma uma aparência fingida, disfarçando, no fundo do coração, seus maus sentimentos. Seguindo caminhos escusos, persegue, na sombra, seu inimigo, sem que ele de nada desconfie. Espera o momento mais favorável para executar sua vingança, evitando correr algum risco. Escondendo-se, vigia o inimigo sem cessar, preparando-lhe armadilhas odiosas, e, quando surge a ocasião, derrama-lhe no copo o veneno mortal.

Quando seu ódio não chega a tais extremos, ele ataca o inimigo em sua honra e em suas afeições. Faz uso da calúnia e das falsas insinuações, que, habilmente semeadas aos quatro ventos, vão crescendo por onde passam. Dessa forma, quando o perseguido se apresenta nos lugares onde a calúnia e as falsas insinuações já passaram, se admira ao encontrar rostos frios onde encontrava, antigamente, rostos amigos e bondosos. Fica surpreso quando as mãos que se estendiam para ele agora se recusam a cumprimentá-lo. Enfim, fica arrasado quando seus melhores amigos e parentes se desviam e fogem dele. O covarde que se vinga dessa maneira é cem vezes mais culpado do que aquele que enfrenta seu inimigo e o insulta pela frente.

Parem, portanto, com esses costumes selvagens! Parem com esses costumes de outros tempos! Todo espírita que se achar no direito de se vingar, não será digno de figurar por mais tempo entre aqueles que tomaram por lema: "Fora da caridade não há salvação!". Recuso-me a aceitar a simples ideia de que um membro da grande família espírita possa ceder ao impulso da vingança em vez de perdoar.


O Ódio

Fénelon - Bordeaux, 1861

10. Amem-se uns aos outros e serão felizes. Procurem amar, principalmente, aqueles que inspiram em vocês a indiferença, o ódio e o desprezo. Cristo, que deve ser o modelo de todos, deu o exemplo desse devotamento. Missionário do amor, Ele amou a ponto de dar Seu sangue e Sua própria vida. O sacrifício de amar aqueles que nos ofendem e nos perseguem é difícil, mas é isso que nos tornará superiores a eles. Se os odiarmos como eles nos odeiam, não valeremos mais do que eles. Amar os inimigos é o presente que devemos oferecer a Deus, pois esse gesto chegará até Ele como um perfume de agradável aroma. 

A Lei do Amor, que manda amar indistintamente a todos, não nos livra o coração do convívio e da ação dos maus. Amar a todos é uma das provas mais difíceis, eu bem sei, pois, durante a minha última existência terrena, passei por essa tortura. Os que violam a Lei do Amor serão punidos por Deus, nessa vida ou na outra. Não esqueçam, meus queridos filhos, o amor nos aproxima de Deus e o ódio nos afasta Dele.


O Duelo

Adolpho, Bispo de Argel - Marmande, 1861

11. Só é verdadeiramente grande aquele que, considerando aa vida como uma viagem que deve conduzi-lo a um destino certo, não se importa com as contrariedades do caminho, e não deixa que seus passos se desviem, nem por um instante, do objetivo a ser alcançado. Com o olhar fixo em sua meta, pouca importância dá aos obstáculos e espinhos que o ameaçam. Eles apenas o roçam sem ferir e não o impedem de avançar. Arriscar-se em duelo para se vingar de uma ofensa é recuar diante das provas da vida. Além do que, o duelo será sempre um crime aos olhos de Deus. Se não estivessem iludidos pelos preconceitos que possuem, este ato seria ridículo aos olhos da Humanidade.

O homicídio por duelo é crime e a própria legislação dos homens reconhece. Ninguém tem o direito, sob hipótese alguma, de tirar a vida de seu semelhante. Como já dissemos, o duelo é um crime aos olhos de Deus, pois para cada ser humano Ele traçou uma linha de conduta a ser seguida. Nesse caso, mais do que em qualquer outro, vocês são juízes em causa própria. Lembrem-se de que serão perdoados conforme perdoarem. O perdão aproxime as criaturas da Divindade, pois a clemência é irmã do poder. Enquanto uma gota de sangue humano correr na Terra pela mão do homem, o verdadeiro Reino de Deus ainda não terá chegado. Reino de paz e de amor que afastará para sempre do planeta o rancor, a discórdia e a guerra. Assim, a palavra duelo não existirá mais na linguagem humana. Ela será apenas uma vaga lembrança de um passado distante. Os homens só aceitarão disputar, entre si, competições voltadas à nobre prática do bem.

Santo Agostinho - Paris, 1862

12. O duelo pode, em alguns casos, ser considerado como prova de coragem física e de desprezo pela vida, mas é, indiscutivelmente, uma prova de covardia moral, assim como o suicídio. O suicida não tem coragem para enfrentar as dificuldades da vida e o duelista não tem coragem para suportar as ofensas. O Cristo disse: "É preciso ter mais coragem para oferecer a face esquerda quando alguém nos bater na direita, do que para se vingar de uma ofensa". O Cristo também disse a Pedro, no Jardim das Oliveiras: "Coloca a sua espada na bainha, pois aquele que matar pela espada, pela espada morrerá". Assim falando, Jesus condenou o duelo para sempre.

Meus filhos, que coragem é essa, nascida de um temperamento violento, homicida e colérico, que reage à primeira ofensa? Que grandeza pode possuir a alma daquele que, ao sofrer uma ofensa, quer lavá-la com sangue? Mas que ele trema! Porque sempre, no fundo de sua consciência, uma voz lhe gritará: "Caim! Caim! O que você fez com seu irmão?". E ele responderá a essa voz: "Foi necessário derramar sangue para lavar minha honra". E a voz, então, lhe dirá: "Você quis salvá-la diante dos homens pelo pouco tempo de vida que ainda lhe restava na Terra e não pensou em salvá-la diante de Deus". Pobre tolo! Quanto sangue o Cristo precisará lhe pedir pelas ofensas que tem recebido de você! Além de feri-lo com os espinhos e a lança, ainda O pregou na cruz infame, fazendo com que Ele escutasse as zombarias que Lhe foram dirigidas. Após tantas ofensas, que reparação Ele lhe pediu? O último grito do Cordeiro foi uma prece para Seus carrascos. Tal como Ele, perdoem e rezem por aqueles que insistem em ofendê-los.

Amigos, lembrem-se desse princípio: "Amem-se uns aos outros", e ao golpe desferido pelo ódio, respondam com um sorriso, e à ofensa, com o perdão. Sem dúvida, o mundo se voltará furioso contra vocês, pois serão chamados de covardes; elevem a cabeça bem alto e mostrem que sua fronte também não tem medo de ser coroado com espinhos, a exemplo de Cristo. Que a mão de vocês nunca sirva para ser cúmplice de um homicídio que tem a falsa aparência de honra, e que na verdade não passa de uma manifestação de orgulho e amor-próprio. Ao criar o homem, Deus não deu a ele o direito de decidir sobre a vida ou a morte de seu semelhante. ele só deu esse direito à Natureza, para que ela possa se reformar e se reconstruir. Quanto a vocês, nem sobre o próprio corpo possuem total domínio. Assim como o suicida, o duelista também estará manchado de sangue quando comparecer perante Deus, e tanto para um quanto para o outro, a Justiça Divina reserva longos e dolorosos anos de sofrimento. Se Deus, através de Jesus, ameaçou com a Sua Justiça aquele que dissesse Racca a seu irmão, que pena severa não estará reservada para aquele que se apresentar diante Dele com as mãos sujas do sangue do seu irmão!

Um Espírito Protetor - Bordeaux, 1861

13. O duelo, que antigamente era chamado de julgamento de Deus, é um desses costumes bárbaros que ainda têm vestígios na sociedade. O que diriam se vissem dois adversários mergulhados em água fervente ou em contato com um ferro em brasa, para resolverem suas questões e dar ganho de causa para aquele que melhor suportasse a prova? Diriam tratar-se de costumes insensatos. Pois o duelo é ainda pior que tudo isso. O duelista habilidoso comete um assassinato a sangue-frio, pois, com toda ação planejada antecipadamente, está seguro do golpe que desferirá. Para o adversário, quase certo de que vai morrer na luta, em razão de sua fraqueza e inabilidade, é um suicídio cometido com a mais fria reflexão. Muitas vezes, procuramos evitar o duelo usando a alternativa, igualmente criminosa, que elege o acaso como juiz. Mas isso é o mesmo que voltar ao que chamávamos de julgamento de Deus, na Idade Média. Porém, naquela época, éramos infinitamente menos culpados, pois até mesmo a denominação julgamento de Deus indicava uma fé ingênua na justiça divina, que não deixaria morrer um inocente. No duelo, tudo é resolvido pela força bruta, onde o ofendido é quem geralmente morre.

Estúpido amor-próprio, tola vaidade e louco orgulho! Quando iremos trocar tudo isso pela caridade cristã, pelo amor ao próximo e pela humildade que Cristo tanto ensinou e deu o exemplo? Somente quando isso acontecer é que irão desaparecer da Terra esses costumes monstruosos que ainda governam os homens e que as Leis são impotentes para reprimir. Não basta impedir o mal e querer o bem. É preciso que o sentimento do bem e do horror ao mal estejam gravados no coração do homem.

Francisco Xavier - Bordeaux, 1861

14. Que juízo farão de mim, se eu me recusar a tirar satisfação daquele que me ofendeu? Os loucos e os homens atrasados, como vocês, irão me censurar. Porém, aqueles que são esclarecidos, intelectual e moralmente, dirão que eu agi com muita sabedoria. Reflita um pouco: por uma palavra inofensiva, muitas vezes, dita sem querer, seu orgulho fica machucado e, ao responder de maneira agressiva, acontece a provocação. Antes que chegue o momento de tomar uma atitude decisiva, pergunte a si mesmo: "Será que agi como cristão? Se você eliminar da sociedade um de seus membros, como explicará isso? Como alguém poderá não sentir remorso em tirar de uma mulher, o seu marido, de uma mãe, o seu filho, das crianças, o seu pai e com ele, o sustento delas?".

Certamente, aquele que ofendeu deve uma satisfação. Não seria muito mais honroso para ele reparar a ofensa espontaneamente, reconhecendo seu erro? Por que, então, arriscar a vida daquele que tem o direito de se queixar, convidando-o para um duelo? Concordo que, algumas vezes, o ofendido pode sentir-se seriamente atingido, seja em seu amor-próprio, seja em relação aos que lhe são caros. Não é somente o amor-próprio que está em jogo, o coração também está ferido e sofrendo muito. Ainda assim, é uma estupidez arriscar a vida contra um miserável capaz de praticar infâmias. Mesmo que ele venha a morrer, por acaso a afronta deixará de existir? O sangue derramado chamará ainda mais atenção sobre o fato, pois, se ele for falso, cairá por si mesmo no esquecimento, e se for verdadeiro, melhor seria que ele ficasse no silêncio. Nesse caso, só restaria a satisfação da vingança executada, nada mais. Triste satisfação, que já nesta vida deixa insuportáveis remorsos! E se o ofendido morrer, onde ficará a reparação da ofensa?

Quando a caridade for a regra de conduta entre homens, eles deverão ajustar seus atos e palavras ao ensinamento de Jesus: "Não façam aos outros o que não gostariam que os outros fizessem a vocês". Quando isso acontecer, desaparecerão todas as causas de desavenças, e, com elas os duelos e também as guerras, que são duelos entre povos!

Agostinho - Bordeaux, 1861

15. O homem que, por uma palavra ofensiva, um motivo fútil, arrisca sua vida e a de seu semelhante em um duelo, é cem vezes mais culpado que o miserável que, levado pela cobiça e às vezes pela necessidade, entra em uma casa para roubar e mata aqueles que tentam impedi-lo. Esse infeliz é, quase sempre, uma criatura sem educação, com imperfeitas noções do bem e do mal, enquanto o duelista pertence, geralmente, às classes mais esclarecidas. O infeliz mata brutalmente, o duelista mata com método e cortesia, o que faz a sociedade desculpá-lo. Acrescento, ainda, que o duelista é infinitamente mais culpado que o infeliz que, levado por um sentimento de vingança, mata num momento de desespero. O duelista não tem como desculpa o sentimento da violenta emoção, pois entre o insulto e a reparação existe sempre um tempo para refletir. Ele age planejada e friamente, tudo é estudado e calculado para matar com mais segurança seu adversário. É verdade que ele também arrisca sua vida, e é isso que justifica o duelo aos olhos do mundo, pois consideram um ato de coragem e desapego pela própria vida. Mas será que existe realmente coragem quando se está seguro de si? O duelo data dos tempos selvagens, quando o direito do mais forte fazia a Lei. Ele desaparecerá com uma análise mais criteriosa e justa do que significa realmente o verdadeiro ponto de honra, e à  medida que o homem depositar uma fé mais viva na vida futura.

16. Nota: os duelos tornaram-se cada vez mais raros e se, de vez em quando, ainda vemos alguns dolorosos exemplos, seu número não é mais comparável ao que foi no passado. Antigamente, um homem não saía de casa sem prever um confronto e, por isso, tomava sempre as precauções necessárias. Usar armas, de forma visível ou não, era um sinal característico da cultura daqueles tempos. A abolição desse uso já revela o abrandamento dos costumes. É interessante acompanhar-se as modificações ao longo do tempo. Antigamente, os cavaleiros só cavalgavam com armaduras de ferro e armados de lança. A espada, que a princípio era uma arma, mais tarde tornou-se apenas um enfeite, um acessório de nobreza. Outra característica do abrandamento dos costumes é que, naqueles tempos, os combates pessoais aconteciam em plena rua, diante da multidão que se afastava para deixar o campo livre. Hoje, os combatentes procuram se esconder. Atualmente, a morte de um homem é um acontecimento que provoca comoção, enquanto que esses últimos vestígios de selvageria, despertando na mente dos homens o espírito de caridade e de fraternidade.

Comentário

12. Racca - Entre os hebreus, a palavra Racca significava homem de má conduta, e se pronunciava cuspindo no chão e virando o rosto para o lado. 


 


Nenhum comentário:

Postar um comentário