quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Sejam Perfeitos

CAPÍTULO XVII

Sejam Perfeitos

• Características da Perfeição •  O Homem de Bem
 • Os Bons Espíritas • Parábola do Semeador 


Instruções Dos Espíritos:

• O Dever • A Virtude • Os Superiores e os Inferiores
• O Homem no Mundo • Cuidar do Corpo e do Espírito


Características da Perfeição

1. Jesus disse: "Amem os inimigos, façam o bem para aqueles que os odeiam, e orem por aqueles que perseguem e caluniam vocês. Assim, serão filhos de seu Pai que está nos Céus, e que faz nascer o sol sobre os bons e os maus, e faz chover sobre os justos e os injustos. Pois, se amarem apenas aqueles que amam vocês, que recompensa terão? Os publicanos também não fazem o mesmo? E se saudarem apenas os irmãos mais próximos, o que fazem mais do que os outros? Os pagãos também não fazem o mesmo? Sejam, pois, perfeitos, como seu Pai Celestial é perfeito." (Mateus, 5:44, 46 a 48).

2. Uma vez que Deus possui a perfeição infinita em todas as coisas, este ensinamento moral: "Sejam, pois, perfeitos, como seu Pai Celestial é perfeito", se tomado ao pé da letra, daria a entender a possibilidade do homem também atingir a perfeição absoluta. Se fosse dado à criatura ser tão perfeita quanto o Criador, ela O igualaria, o que é inadmissível. Os homens, aos quais Jesus falava, não tinham condições de compreender essa questão, por isso, Ele se limitou em apresentar-lhes um modelo, e pediu para que se esforçassem em atingi-lo.

Jesus falava de uma perfeição relativa, aquela que a Humanidade era capaz de compreender e que a aproximasse mais da Divindade. Mas em que consiste essa perfeição? Jesus mesmo disse: "Amar os inimigos, fazer o bem para aqueles que nos odeiam, orar por aqueles que nos perseguem.". Eles mostra, com isso, que a essência da perfeição é a caridade, pois, para praticá-la, é necessário possuir todas as outras virtudes.

De alguma forma, a prática da caridade é influenciada pelos vícios e pelos pequenos defeitos que o homem possui. Todos esses vícios nascem do egoísmo e do orgulho, que são sentimentos contrários. Tudo que estimula exageradamente a personalidade enfraquece os princípios da verdadeira caridade, que são: a bondade, a indulgência, a abnegação e o devotamento. Se aquele que ama o próximo consegue também amar os inimigos, isso é sempre um indício de superioridade moral. Assim, o grau de perfeição de uma pessoa está na razão direta do amor que ela consegue ter pelo seu próximo. Eis por que Jesus, após ter dado a Seus discípulos as regras da caridade, no que ela tem de mais sublime, disse: "Sejam, pois, perfeitos, como seu Pai Celestial é perfeito.".


O Homem de Bem

3. O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a Lei da Justiça, do Amor e da Caridade em toda sua pureza. Questiona sua consciência sobre seus próprios atos, pergunta a si mesmo se não violou essa Lei, se não fez o mal, se fez todo bem que podia, se, de propósito, não deixou escapar uma ocasião de ser útil, se ninguém tem queixa dele, enfim, se fez aos outros tudo o que gostaria que os outros lhe fizessem.

O homem de bem tem fé em Deus, na Sua bondade, na Sua justiça e na Sua sabedoria Divina. Sabe que nada acontece sem a Sua permissão e, em todas as ocasiões, se submete a Sua vontade.

Tem fé no futuro, razão pela qual coloca os bens espirituais acima dos bens materiais.

Sabe que todas as dificuldades da vida, todas as dores todas as decepções, são provas ou expiações, e as aceita sem se queixa.

O homem bondoso, que possui o sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem sem esperar recompensa, retribui o mal com o bem, defende o fraco contra o forte e sacrifica, sempre, seus interesses pela justiça.

Encontra satisfação nos benefícios que distribui, nos serviços que presta, nas alegrias que proporciona ao próximo, nas lágrimas que seca, nas consolações que leva aos aflitos. Pensa primeiro nos outros, antes de pensar em si, procura os interesses alheios antes de procurar os seus. O egoísta, ao contrário, calcula os ganhos e as perdas de cada ação generosa. 

O homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, não faz distinção de raças ou crenças, pois vê todos os homens como irmãos seus.

Respeita nos outros todas as convicções sinceras e não amaldiçoa quem não pensa como ele.

O homem de bem, em todos os momentos, tem como guia a caridade. Sabe que todo aquele que prejudica os outros com palavras maldosas, que fere com seu orgulho e seu desprezo os sentimentos de alguém, que não se importa em causar um sofrimento quando este poderia ser evitado, e que não possui amor pelo próximo, não merecerá o perdão do Senhor até que se arrependa do fundo do coração.

Não tem ódio, nem rancor, nem desejos de vingança. A exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas, e apenas se lembra dos benefícios, pois sabe que será perdoado assim como perdoou.

É tolerante para com as fraquezas alheias porque sabe que ele mesmo tem necessidade de tolerância e recorda das palavras do Cristo: Aquele que estiver sem pecado, atire a primeira pedra.

Não se satisfaz em procurar os defeitos dos outros, nem coloca-los em evidência. Se a necessidade o obriga a fazer isso, procura sempre o bem que possa atenuar o mal.

Estuda suas próprias imperfeições e trabalha sem cessar para combatê-las. Emprega todos os seus esforços para poder dizer, no dia seguinte, que existe nele algo de melhor do que no dia anterior.

Procura não exaltar seus conhecimentos em detrimento de outros, ao contrário, aproveita todas as ocasiões para ressaltar as qualidades alheias.

O homem de bem não se envaidece de sua riqueza nem de suas vantagens pessoais, pois sabe que tudo que lhe foi dado pode ser retirado.

Usa, mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe que se trata de um depósito do qual terá que prestar contas. Sabe, também, que, se empregar esses bens na satisfação de suas paixões, o maior prejudicado será ele mesmo.

Se nas relações sociais alguns homens estão sob seu comando, trata-os com bondade e benevolência, pois são seus semelhantes perante Deus. Usa sua autoridade para erguer-lhes o moral e não para esmagá-los com seu orgulho. Evita tudo o que poderia tornar mais difícil a posição subalterna em que estão.

O subordinado, por sua vez, compreende os deveres da posição que ocupa e se empenha em cumpri-los da melhor maneira possível (veja cap. 17:9).

Finalmente, o homem de bem respeita todos os direitos que as Leis da Natureza asseguram aos seus semelhantes, como deseja que os seus sejam respeitados.

Esta não é a relação completa de todas as qualidades que distinguem o homem de bem; mas aquele que se esforçar para possuí-las, estará no caminho que conduz às demais virtudes.


Os Bons Espíritas

4. O Espiritismo, bem compreendido e bem vivenciado, leva o homem a possuir as qualidades descritas para o homem de bem. Essas qualidades caracterizam o verdadeiro Espírita, assim como o verdadeiro Cristão, pois tanto um quanto o outro são a mesma coisa. O Espiritismo não cria uma nova moral, ele apenas facilita aos homens a compreensão e a prática da moral do Cristo. Oferece uma fé sólida e traz o esclarecimento para aqueles que duvidam ou vacilam.

Muitos, que acreditam nas manifestações espíritas, não compreendem sias consequências, nem seu alcance moral, ou, se os compreendem, não aplicam a si mesmos. Por que isso acontece? Será falta de clareza da Doutrina? Não, pois a Doutrina Espírita não utiliza nenhuma linguagem figurada que possa dar margem a falsas interpretações. Sua essência está em sua própria clareza e é daí que vem sua força, pois ela explica as coisas de maneira fácil, atingindo diretamente a inteligência daqueles que a procuram. Ela não possui nada de misterioso, e seus seguidores não estão de posse de nenhum segredo oculto ao povo.

Será necessária, então, para compreendê-la, uma inteligência fora do comum? Não, pois existem homens de reconhecida capacidade intelectual que não a compreendem, enquanto que, pessoas comuns, jovens recém-saídos da adolescência, apreendem-na com admirável facilidade, até mesmo nos seus detalhes mais sutis. Isso acontece porque a parte material da Ciência não requer mais do que os olhos para ser observada, ao passo que a essência do Espiritismo requer um certo grau de sensibilidade que independe da idade ou do nível de instrução da criatura. Essa sensibilidade pode ser chamada de maturidade do senso moral. Essa maturidade, que lhe é própria, corresponde ao grau de desenvolvimento que o Espírito encarnado já possui.

Em algumas pessoas, os laços que as prendem às coisas materiais estão ainda muito fortes para permitir que o Espírito se desprenda das coisas terrenas. O nevoeiro que as envolve impede-lhes a visão do infinito. Eis por que não conseguem romper facilmente com seus gostos e com seus hábitos, pois não compreendem que possa existir algo melhor do que aquilo que possuem. A crença nos Espíritos, para essas pessoas, é um simples fato que não modifica em nada suas tendências instintivas. Enxergam apenas um raio de luz, insuficiente para orientá-las e despertar uma vontade decidida que seja capaz de modificar seus pensamento. Elas apegam-se mais aos fenômenos espíritas do que à moral, que lhes parece banal e monótona. Pedem aos Espíritos para terem acesso de imediato aos novos mistérios, sem procurar saber se já se tornaram dignas de conhecer os segredos do Criador. São Espíritas imperfeitos, porque não se desenvolvem e acabam se afastando de seus irmão em crença, pois recuam ante a obrigação de se reformarem. Preferem reservar suas simpatias para os que possuem as mesmas fraquezas ou prevenções. De qualquer forma, aceitar os princípios da Doutrina Espírita é um primeiro passo que facilitará o segundo, numa outra existência.

Aquele que pode ser qualificado como verdadeiro Espírita já se encontra num grau superior de adiantamento moral. Seu Espírito já possui um domínio maior sobre a matéria, por isso, tem uma percepção mais clara do futuro. Os princípios da Doutrina Espírita fazem vibrar nele o lado espiritual, que ainda permanece adormecido nas outras criaturas. Podemos dizer que ele foi tocado no coração, que sua fé tornou-se inabalável. O Espírita é como um músico que se comove com os acordes, enquanto que a maioria ouve apenas o som. O verdadeiro Espírita é reconhecido por sua transformação moral e pelos esforças que faz para dominar suas más tendências. Enquanto o homem comum se satisfaz com seu horizonte limitado, o Espírita compreende a existência de alguma coisa melhor e procura libertar-se para atingi-la. Ele sempre conseguirá, se tiver uma vontade firme e determinada.


Parábola do Semeador

5. Jesus, ao sair de casa, sentou-se à beira-mar, e uma grande multidão de pessoas reuniu-se ao seu redor. Assim, Ele subiu em um barco, e todos ficaram em pé na praia. Foi então que Ele falou ao povo, em forma de parábolas:

Aquele que semeia, saiu a semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíam ao longo da estrada, e os pássaros do Céu vieram e comeram-nas.

Uma outra quantidade caiu nas pedras, onde havia pouca terra, por isso, logo germinaram. Como a terra era pouca, não puderam criar raízes e, quando o sol nasceu, as sementes secaram.

Outras caíram nos espinhos e, quando eles cresceram, sufocaram as sementes. 

Finalmente, outras caíram em terra boa e deram frutos. Alguns grãos renderam cem por u, outros sessenta, e outros, trinta.

Que ouçam aqueles que têm ouvido para ouvir. (Mateus, 13:1 a 9)

Escutem, vocês também, a parábola do semeador.

Todo aquele que ouve a palavra do Reino De Deus e não presta atenção, faz surgir o Espírito mau, que arrebata tudo o que havia sido semeado em seu coração. Esse é aquele que deixou s semente cair ao longo da estrada.

O que deixou a semente cair junto às pedras é aquele que ouve a palavra do Cristo, e a recebe na mesma hora, com alegria, mas, por não ter raízes em si, essa alegria dura pouco tempo. Quando surgem os problemas e as perseguições por causa da palavra, ele logo se revolta e abandona tudo.

O que deixou a semente cair entre os espinhos é aquele que ouve a palavra, mas é sufocado pelas modernidades e pelas ilusões da riqueza. Por isso, a palavra, para ele torna-se sem valor.

O que deixou a semente cair em uma terra boa é aquele que escuta a palavra de Cristo, presta atenção e procura segui-la. É nele que a palavra produzirá frutos que irão render cem ou sessenta ou trinta por um. (Mateus, 13:18 a 23).

6. A parábola do semeador descreve as diversas maneira de se por em prática os ensinamentos do Evangelho. Quantas pessoas existem para as quais os ensinamentos não passam de palavras sem valor. Elas são como as sementes que caíram sobre as pedras, nada produzem, nada frutificam!

Essa parábola se aplica, também, aos diversos tipos de Espíritas. Ela é o símbolo daqueles que se apegam somente aos fenômenos materiais, sem tirar deles nenhum proveito. Veem os fenômenos como mero objeto de curiosidade. Simboliza, também, os que procuram somente o lado brilhante das comunicações dos Espíritos, interessando-se apenas enquanto elas satisfazem a sua imaginação. Porém, depois de ouvi-las, continuam frios e indiferentes como eram antes. A parábola do semeador também simboliza aqueles que acham os conselhos muito bons, mas para serem aplicados aos outros, e não em si mesmos. E, finalmente, simboliza aqueles para quem os ensinamentos são como a semente que caiu em terra boa e produz bons frutos.


Instruções Dos Espíritos:
Lázaro - Paris, 1863

7. O dever é a obrigação moral do homem, primeiro para consigo mesmo, em seguida, para com os outros. O dever é uma Lei da Vida, pois é encontrado tanto nos atos mais simples como nos mais elevados. Quero examinar, aqui, apenas o dever moral e não o dever que as profissões impõem.

O dever é um sentimento muito difícil de ser cumprido, pois será em oposição com os interesses materiais e os interesses do coração. Quando cumprimos com o dever, não fazemos mais do que a nossa obrigação e não nos elogiamos por isso. Quando não cumprimos, também não permitimos que nossa consciência nos repreenda.

O dever íntimo do homem é governado pelo seu livre-arbítrio; a consciência está sempre o advertindo contra as condutas erradas. Ainda assim, ele, muitas vezes, se deixa levar pelos enganos da paixão. O homem se eleva quando observa, fielmente, os deveres do coração, que nada maus são que os seus valores interiores. Mas como esses deveres podem ser determinados? Onde começam? Onde terminam? Os deveres começam, precisamente, no ponto onde se ameaça a felicidade ou a tranquilidade do próximo e terminam no limite em que não se desejaria ver a própria felicidade ou a tranquilidade ameaçadas.

Deus criou todos os homens iguais perante a dor. Pequenos ou grandes, incultos ou esclarecidos, todos sofrem pelas mesmas coisas, a fim de que cada um avalie, de maneira consciente, o mal que pode fazer. O mesmo critério de que todos são iguais perante a dor não pode ser aplicado para o bem, pois nem todos são iguais em suas capacidades de fazer o bem. A igualdade perante a dor é uma sublime providência de Deus, pois Ele quer que Seus filhos, instruídos pela experiência comum, não pratiquem o mal alegando a ignorância de seus efeitos.

Na prática, o dever reflete todas as virtudes morais; é uma fortaleza da alma que enfrenta as angústias da luta diária. O dever é severo e dócil. Está sempre pronto a se submeter às mais diversas situações, mas permanece sempre firme perante as tentações. Aquele que cumpre seu , ama mais a Deus do que os homens, e aos homens mais do que a si mesmo. É, ao mesmo tempo, juiz e escrevo em causa própria.

O dever é o que a razão possui de mais belo. Ele provém da razão, assim como o filho provém de sua mãe. O homem deve amar o dever, não porque ele o preserve dos males da vida, aos quais a Humanidade está sujeita, mas porque ele fornece à alma a força necessária ao seu desenvolvimento.

Nos estágios superiores da Humanidade, o dever se apresenta sob uma forma mais elevada. A obrigação moral da criatura para com Deus nunca cessa. Ela deve refletir as virtudes do Criador, que não aceita um esboço imperfeito, pois quer que a beleza de Sua obra resplandeça aos Seus próprios olhos.



A Virtude
François - Nicolas - Madeleine - Cardeal Morlot - Paris, 1863

8. A virtude é o conjunto de todas as qualidades que constituem o homem de bem. Ser bom, caridoso, trabalhador, moderado, modesto, são qualidades do homem que possui virtudes. Infelizmente, elas são quase sempre acompanhadas de pequenas falhas morais que as desmerecem e as enfraquecem. Aquele que se vangloria de sias virtudes não é virtuoso, pois lhe falta a principal qualidade: a modéstia, e porque tem o principal vício: orgulho. A verdadeira virtude não gosta de se exibir, ao contrário, é preciso descobri-la, pois ela se esconde no anonimato e foge da admiração das massas. Vicente de Paulo e Jean Marie Vianney, digno páraco da cidade de Ars, eram virtuosos. Deixavam-se ir ao sabor de suas inspirações e praticavam o bem com total desinteressante e completo esquecimento de si mesmos.

Meus filhos! É para a virtude verdadeiramente cristã e espírita, praticada com desinteresse, que eu os convoco. Afastem de seus corações o sentimento de orgulho, de vaidade, de amor-próprio, que sempre desvalorizam as mais belas qualidades. Não imitem o homem que se apresenta como modelo a ser seguido e que se gaba de suas próprias qualidades para aqueles que estão dispostos a ouvi-lo. Essa virtude com ostentação esconde, quase sempre, muitas mesquinharias e fraquezas.

Em princípio, o homem que exalta a si mesmo, que ergue uma estátua a sua própria virtude, aniquila todos os méritos que efetivamente possa ter. E o que dizer daquele que dá valor em parecer aquilo que não é? Compreendo que o homem que faz o bem, sinta no fundo do coração uma satisfação íntima Porém, se essa satisfação for usada para lhe render elogios, ela se transforma em amor-próprio. 

Todos vocês. a quem a fé espírita reanimou com seus ensinamento, que sabem o quanto o homem está longe da perfeição, não cometam nunca uma tolice dessas. A virtude é uma graça que desejo a todos os Espíritas sinceros, mas advirto: mais valem poucas virtudes com modéstia, do que muitas com orgulho; é pelo orgulho que as civilizações vêm, sucessivamente, se perdendo e será pela humildade que elas irão se redimir um dia.

Os Superiores e os Inferiores
François - Nicolas - Madeleine - Cardeal Morlot - Paris, 1863

9. Aquele que recebe a autoridade terá que prestar contas, assim como aquele que recebe a riqueza. Não acreditem que a autoridade seja dada para satisfazer o vão prazer de mandar, assim como acreditam erroneamente a maior parte dos poderosos da Terra, que pensam que a autoridade lhes foi dada como um direito ou uma propriedade.

Deus tem provado, constantemente, que a autoridade não é um direito e, muito menos, uma propriedade, pois a retira dos que dela se acham proprietários quando Lhe convém. Se a autoridade fosse um privilégio ligado à pessoa, ela seria intransferível. Ninguém pode dizer que uma coisa lhe pertence, quando ela pode lhe ser retirada sem o seu consentimento. Deus concede a autoridade a título de missão ou de prova, quando quer, e a retira quando julga necessário.

Todo aquele que recebe a autoridade, seja qual for o tamanho dessa autoridade, desde um patrão para com seu empregado até o soberano para com seu povo, não poderá esquecer que é um encarregado de almas e que responderá pela boa ou má orientação que der a seus subordinados. Toda responsabilidade recairá sobre aquele que, tendo autoridade, deixar que seus comandados cometam faltas e sejam levados pelo vício ou pelos maus exemplos; da mesma maneira que colherá os frutos de seu esforço por conduzi-los ao bem. Todo homem tem, na Terra, uma missão, seja ela pequena seja grande, sempre lhe será dada para o bem. Desviá-la do seu verdadeiro objetivo é fracassar em sua execução.

Assim como Deus pergunta aos ricos: "O que fizeram da riqueza que, em suas mãos, deveria ser uma fonte espalhando fecundidade ao redor de todos?", também perguntará para aqueles que receberam alguma autoridade: "Que uso fizeram dessa autoridade? Que mal impediram? Que progresso promoveram?". Se Eu dei a vocês subordinados, não foi para que fizessem deles escravos de suas vontades, nem instrumentos dóceis dos seus caprichos ou de suas ambições. Se eu fiz vocês fortes e confiei-lhes os fracos, foi para que pudessem ampará-los, ajudando-os a chegarem até Mim.

Aqueles que possuem autoridade e seguem as palavras do Cristo, não desprezam nenhum dos que estão abaixo, pois sabem que as diferenças sociais não existem perante Deus. O Espiritismo ensina que devem tratar de maneira igual a todos os seus subordinados; que aqueles que hoje lhe obedecem, talvez, já tenham lhe dado ordens ou poderão vir a dar em uma existência futura. Ensina, também, que serão tratados amanhã, conforme estão tratando, hoje, aqueles sobre os quais exercem sua autoridade.

Tanto os superiores quanto os inferiores possuem sagrados deveres a cumprir. Se o subordinado é Espírita, sua consciência lhe dirá, com mais forte razão, que não pode deixar de desempenhar seus deveres, mesmo que seu chefe não cumpra com os seus; o Espírita sabe que não deve pagar o mal com o mal e que as faltas de uns não justificam as faltas de outros. Se sofre, na condição de subalterno, sabe que esse sofrimento é merecido, porque ele mesmo pode já ter abusado, em existências anteriores, da autoridade que possuía. Experimenta agora, por sua vez, o que fez os outros sofrem. Se precisa suportar o emprego atual, por não encontrar outro melhor, o Espiritismo lhe ensina a aceitar essa situação sem reclamar, como sendo uma prova para sua humildade e necessária ao seu adiantamento. Sua conduta é norteada pelo conhecimento espiritual que possui e ele age para com seu patrão como gostaria que seus subordinados agissem para consigo, caso ele fosse o chefe. Assim, é mais cuidadoso no cumprimento de suas obrigações, pois sabe que toda negligência em seu trabalho é um prejuízo para aquele que o remunera e a quem deve seu tempo e seus esforços. Resumindo, ele é guiado pelo sentimento do dever que sua fé lhe fornece e pela certeza de que todo afastamento do caminho reto é uma dívida que, cedo ou tarde, terá que pagar.


O Homem no Mundo
Um Espírito Protetor - Bordeaux, 1863.

10. Um sentimento de piedade deve sempre orientar o coração daqueles que se reúnem sob os olhos do Senhor e imploram a assistência dos bons Espíritos. Purifiquem seus corações, não se perturbem por pensamentos fúteis ou mundanos. Elevem seus pensamentos em direção aos Espíritos que evocam, para que eles possam encontrar em vocês as condições necessárias para poder ajudá-los, inspirando-lhes os sentimentos da caridade e da justiça.

Não acreditem que, ao incentiva a prece e a evocação dos bons Espíritos, desejamos que vocês vivam como eles vivem. Se sacrificarem as necessidades, ou até mesmo as banalidade do dia a dia, façam isso com um sentimento de pureza, para que essa renúncia possa ser santificada.

Se forem obrigados a conviver com Espíritos de natureza diferente, com características opostas às que possuem, não devem afrontar nem contrariar esses Espíritos. Sejam alegres e felizes, mas com uma alegria que venha de uma consciência tranquila. Vivam com felicidade de um herdeiro do Céu, que conta os dias quem faltam para o seu retorno.

A virtude não consiste em assumir um aspecto severo e sombrio, rejeitando os prazeres que a condição humana permite. Basta que todos os atos de vocês sejam regidos pela Lei do Criador, que deu a vida a todos. Ao começarem uma obra, elevem o pensamento a Deus e peçam a Ele proteção, para que essa obra tenha êxito. Ao terminarem, peçam a Deus para que abençoe essa obra. Ao realizarem qualquer atividade, elevem também o pensamento a Deus, e procurem não realizar nada sem a lembrança do Criador venha purificar e santificar a execução dessas tarefas. 

A perfeição está inteiramente, como disse Cristo, na prática da caridade sem limites. O dever da caridade se estende a todas as posições sociais, desde a maior até a menor. O homem, se vivesse sozinho, não teria como praticar a caridade. É no contato com seus semelhantes, na luta difícil do dia a dia, que ele encontra a ocasião para praticá-la. Aquele que se isola, priva-se, voluntariamente, do meio mais poderoso para se aperfeiçoar. Ao pensar em si, sua vida é a de um egoísta (veja, nesta obra cap. 5:26).

Não imaginem que para viver em comunicação constante conosco, para viver sob a observação do Senhor, seja preciso entregar-se ao cilício e cobrir-se de cinzas. Não! Mais uma vez, não! Sejam felizes, de acordo com as necessidades humanas, mas que essa felicidade nunca tenha um pensamento ou um ato que possa ofender a Deus, ou entristecer o semblante daqueles que amam e dirigem vocês. Deus é amor e abençoa aqueles que sabem amar.


Cuidar do Corpo e do Espírito
Georges, Espírito Protetor - Paris, 1863.

11. Será válido, ao homem, maltratar o próprio corpo para buscar a purificação de seu Espírito? Para responder essa questão, me apoiarei em princípios básicos, demonstrando a necessidade de cuidar do corpo. O corpo influi sobre a alma de uma maneira muito importante, conforme esteja sadio ou doente, pois precisamos considerar a alma como uma prisioneira do corpo físico. Para que a alma viva, se expanda e chegue mesmo a criar as ilusões de liberdade, o corpo tem que estar sadio, disposto e forte. O corpo e a alma devem manter o equilíbrio entre suas aptidões e necessidades tão diferentes. O segredo está justamente em achar esse equilíbrio.

Aqui, dois sistemas se defrontam: o dos ascetas, que não dão nenhuma importância ao corpo, e o dos materialistas que querem negar a alma. Dois sistemas violentos e insensatos, tanto um quanto o outro. A lado dessas duas grandes correntes de pensamento, existe um grande número de pessoas diferentes, que, sem convicções e sem afeições, amam com frieza e não sabem aproveitar a vida. Onde está, então, a sabedoria e a ciência de viver? Em nenhum lugar. Esse problema ficaria sem solução, se o Espiritismo não viesse em auxílio dos pesquisadores, demonstrando as relações que existem entre o corpo e a alma, ensinando-lhes que é preciso cuidar dos dois, pois que um depende do outro. Amem a alma, mas cuidem também do corpo, que é seu instrumento. Ignorar as necessidades que a própria natureza indica é desconhecer a Lei de Deus. Não castiguem o corpo pelas faltas que o próprio livre-arbítrio os leva a cometer, pois são tão responsáveis por elas quanto um cavalo mal guiado o é pelos acidentes que causa. Por acaso serão mais perfeitos se martirizarem o corpo e continuarem egoístas, orgulhosos e não praticando a caridade para com o próximo? Não! A perfeição não está nessa tortura. Ela encontra-se nas reformas que conseguirem impor a seu Espírito, e não ao corpo. O Espírito precisa ter o egoísmo e o orgulho dobrados, humilhados, dominados, pois esse é o meio de torná-los mais dócil à vontade de Deus. É, também, o único caminho que o conduzirá à perfeição.

Comentários

1. Pagãos - São todos os povos que praticavam o politeísmo (crença em vários deuses), que não acreditavam em um Deus único; aqueles contrários aos dogmas do judaísmo e, posteriormente, aos da Igreja Romana.

6. Parábola do semeador - Jesus é o semeador da mensagem divina, e cada Espírito, encarnado ou desencarnado, é um tipo de solo que renderá, ou não, frutos, conforme sua disposição em receber essa semente.

10. Cilício - Túnica grosseira feita de crina ou lã áspera. Vestia-se sobre a pele como uma forma de fazer penitência, ou, melhor, sacrifício voluntário. 

Cobrir-se de cinzas - Alusão ao hábito dos antigos hebreus, que se cobriam de cinzas, como uma forma de penitência.

11. Ascetas - Pessoas inteiramente consagradas à prática da meditação e da penitência. Desenvolvem apenas o lado espiritual, não dando nenhuma importância aos relacionamentos sociais nem ao corpo físico.


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